11 de ago. de 2009

MORTE EM VENEZA

As observações e as vivencias do solitário calado são ao mesmo tempo mais difusas e intensas do que a dos seres sociáveis, seus pensamentos, mais graves, mais fantasiosos e sempre marcados por um laico de tristeza. Imagens e impressões que facilmente seriam esquecidas com um olhar, um sorriso, uma troca de opiniões ocupam-no mais do que o devido, aprofundam-se no silêncio, ganham significado, transformam-se em vivência, aventura, sentimento.

A solidão engendra o original, o belo ousado e surpreendente, o poema. Mas engendra também o inverso, o desmedido, o absurdo e o ilícito.

Era assim que as imagens da viagem - o horroroso velho janta com seus disparates sobre a amada, o gondoleiro clandestino, logrado em seu pagamento - ainda agora perturbavam o ânimo do viajante. Sem construir um desafio à razão, sem fornecer, na verdade, material para reflexão, eram no entanto, ao que lhe parecia, profundamente estranhas, por sua própria natureza, e era justamente essa contradição que as tornava inquietantes. Ao mesmo tempo, ele saudava o mar com os olhos e se alegrava em saber Veneza tão próxima, tão acessível..


(fragmento. MORTE EM VENEZA/Thomas Mann. Tradução: Eloísa Ferreira Araújo Silva.)

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