17 de ago. de 2009

Noite Escura da Alma

O maior desafio é lutarmos contra nós mesmos!


Grande dúvida, grande iluminação.
Pequena dúvida, pequena iluminação.
Nenhuma dúvida, nenhuma iluminação.
[expressão Chan (Zen chinês)]

A tradição nos ensina que existem três pre-requisitos para a prática verdadeira: Grande Dúvida, Grande Fé e Grande Determinação.

(...)

Talvez a vida vá nos exigir uma entrega total, a “morte simbólica”, morte do ego, morte para tudo que pensávamos que importava. Mas na realidade, a vida está nos convidando a passar pela morte dos condicionamentos - nos convidando à Libertação.

No meio da noite escura da alma, passamos por uma fase de ficar só enxergando as perdas, as “mortes”. Talvez percamos contato com a nossa fé. Talvez nos entreguemos ao medo. Talvez não resistamos às pressões e voltemos correndo, tentando voltar à nossa ‘zona de conforto’ anterior, voltar à ‘harmonia conhecida’, voltar às amizades e relacionamentos antigos que não queremos arriscar perder, buscando apoio externo na falta de nosso próprio apoio interno. Quantas e quantas pessoas fraquejam neste ponto, justo quando estão quase lá, quase vencendo esta fase da jornada.

Sabia que a gente tem todo o direito de espernear e reclamar tudo que quiser neste universo? Só que o Darma simplesmente vai continuar procurando nos ensinar. Então não precisa se sentir culpado por passar por uma fase de “briga com o universo” antes de chegar numa entrega! Outras vezes, a virada veio quando finalmente percebi a “comédia dos absurdos” numa situação e caí nas gargalhadas, de corpo e alma. De qualquer forma, a virada vinha quando algo dentro de mim mudou. A mudança nunca vinha de fora, só de dentro. Este que é o detalhe importante: a mudança tem que vir de dentro."

"Abençoado seja aquele que nada espera, pois não se desapontará."

Sonríe. Eso es todo.

[MONJA ISSHIN
+ http://monjaisshin.wordpress.com/2007/06/23/a-noite-escura-da-alma]

Luz e Sombra

E o mar se faz carne, e a carne é uma flor de mármore na lapela da cidade. Dentro da paisagem onírica "O Sonho dos Cavalos Selvagens", de Álvaro Pacheco. O galope glauco dos hipocampos, a face heráldica dos licornes, o galope altivo dos vocábulos de raça. E entre o leito do amor humano e a nostalgia do tempo em que os deuses penetravam a dimensão dos heróis surge este cantar da imensa solidão:

na hora da dor
você está sozinho
na hora do gozo
você está sozinho
na hora da morte
você está sozinho
você está sozinho
em todas as coisas importantes
você está sozinho
em todas as conseqüências
e qualquer que seja o peso
a carga é sua e, de fato
ninguém pode lhe ajudar.

E num grito que vai dos blocos de concreto armado ao sangue de Knossos, o poeta entrega à vida a nobreza de um epitáfio:

no futuro dirão:
esse, pelo menos tentou:

caiu, tentou levantar-se
andou, tentou permanência
amou, tentou o infinito
(viveu, tentou não morrer)

[Paulo Bonfim - in "DIÁRIO DE SÃO PAULO", 11.04.67]
+ http://www.secrel.com.br/Jpoesia/pbonfim01c.html

O povo do diurno

O povo do diurno não tem muita noção
O povo do diurno não gosta de confusão
O povo do diurno é tudo uns bobão
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Administração

O povo do diurno não conhece a loucura
O povo do diurno não come rapadura
O povo do diurno faz fundo de formatura
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Arquitetura

O povo do diurno se divide em várias partes
O povo do diurno vive lendo Barthes
O povo do diurno enche o caderno de encartes
Pior que o povo do diurno
Só o povo de Artes

O povo do diurno não come mortadela no pão
O povo do diurno não cospe no chão
O povo do diurno não trata amigo como irmão
Pior que o povo do diurno
Só o povo de Ciência da Computação

O povo do diurno só tem idéias lógicas
O povo do diurno faz matérias mercadológicas
O povo do diurno tem alterações psicológicas
Pior que o povo do diurno
Só o povo de Ciências Biológicas

O povo do diurno não anda de barriga vazia
O povo do diurno dorme de tarde todo dia
O povo do diurno não toma banho de água fria
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Economia

O povo do diurno estuda, estuda e não se satisfaz
O povo do diurno trata mal os animais
O povo do diurno acha que sabe mais
Pior que o povo do diurno
Só o povo de Ciências Sociais

O povo do diurno vai na aula de qualquer jeito
O povo do diurno não tem coração no peito
O povo do diurno é um povo muito suspeito
Pior que o povo do diurno
Só o povo do Direito

O povo do diurno não sabe fazer dever de física
O povo do diurno não faz festa dionísica
O povo do diurno tem fibrose císica
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Educação Física

O povo do diurno deixa o carro na garagem
O povo do diurno só trabalha na Imagem
O povo do diurno não pensa sacanagem
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Enfermagem

O povo do diurno vai na aula todo dia
O povo do diurno, é só ditar, que eles copia
O povo do diurno é cheio de mania
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Engenharia

O povo do diurno reza pra Rita de Cássia
O povo do diurno não fuma cigarro de herbácea
O povo do diurno não gosta de falácia
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Farmácia

O povo do diurno faz anotação e nós copia
O povo do diurno não mija fora da bacia
O povo do diurno faz matéria de economia
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Filosofia

O povo do diurno fala de poluição vétero-lísica
O povo do diurno não tem experiência tísica
O povo do diurno não consegue rimar com ísica
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Física

O povo do diurno não gosta de baixaria
O povo do diurno só faz festa à fantasia
O povo do diurno não tem muita sintonia
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Fisioterapia

O povo do diurno passa a tarde na academia
O povo do diurno estuda com toda alegria
O povo do diurno chama professora de tia
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Geografia

O povo do diurno tem tudo na memória
O povo do diurno sonha com a glória
O povo do diurno vive comendo chicória
Pior que o povo do diurno
Só o povo da História

O povo do diurno não sabe fazer mutretas
O povo do diurno não sabe fazer caretas
No povo diurno não tem mulheres "tietas"
Pior que o povo do diurno
Só o povo de Letras

O povo do diurno não conhece arte performática
O povo do diurno não sente variação climática
O povo do diurno tem embalagem adiabática
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Matemática

O povo do diurno só aprende o que eles ensina
O povo do diurno já tomou todas as vacina
O povo do diurno faz cara feia pras menina
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Medicina

O povo do diurno bebe pouco e fica tonto
O povo do diurno não sabe contar conto
O povo do diurno vive dormindo no ponto
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Odonto

O povo do diurno não sai de livraria
O povo do diurno só lava a mão na pia
O povo do diurno não entende filosofia
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Pedagogia

O povo do diurno nunca ouviu história da Bia
O povo do diurno quer trabalhar na CIA
O povo do diurno não transpira simpatia
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Psicologia

O povo do diurno não sabe brincar de mímica
O povo do diurno tem medo de disfunção tímica
O povo do diurno assume uma postura bulímica
Pior que o povo do diurno
Só o povo da Química

O povo do diurno não muda de canal
O povo do diurno não conversa com animal
O povo do diurno, nós aparece, eles falam mal
Pior que o povo do diurno
Só o povo do Serviço Social

O povo do diurno tem um pouquinho de egoísmo
O povo do diurno tem "síndrome de se achismo"
O povo do diurno não se arrisca de pular sobre o abismo
Pior que o povo do diurno
Só o povo do Turismo


[Eu não sei onde encontrei isso, por isso não tem referência, se um dia eu achar eu arrumo isso]

11 de ago. de 2009

O Poema do Haxixe

"
Quando houver um verdadeiro medico filosofo, coisa pouco comum, poderá fazer um importante estudo sobre o vinho, uma espécie de psicologia dupla em que o vinho e o homem constituem os dois termos.

Explicará como e por quê certas bebidas contém a faculdade de aumentar exageradamente a personalidade do ser pensante e criar, por assim dizer, uma terceira pessoa, operação mística, onde o homem natural e o vinho, o deus animal e o deus vegetal, desempenham o papel do Pai e do Filho na Santa Trindade: geram um Espírito Santo que é o homem superior, o qual procede igualmente dos dois.

(...)

Um velho autor disconhecido disse: Nada se iguala à alegria do homem que bebe, a não ser a alegria do vinho
de ser bebido.?

"


[O Poema do Haxixe - Baudelaire, C. - tradução A.P. Marie Cambe.]
"
Todos nós estamos na sarjeta, mas alguns de nós olham para as estrelas
(Oscar Wilde)

E quem olha se fode.
(Lori Lamby)
"

[CADERNO ROSA DE LORI LAMBY - HILDA HILST. Ed. MASSÃO OHNO]

MORTE EM VENEZA

As observações e as vivencias do solitário calado são ao mesmo tempo mais difusas e intensas do que a dos seres sociáveis, seus pensamentos, mais graves, mais fantasiosos e sempre marcados por um laico de tristeza. Imagens e impressões que facilmente seriam esquecidas com um olhar, um sorriso, uma troca de opiniões ocupam-no mais do que o devido, aprofundam-se no silêncio, ganham significado, transformam-se em vivência, aventura, sentimento.

A solidão engendra o original, o belo ousado e surpreendente, o poema. Mas engendra também o inverso, o desmedido, o absurdo e o ilícito.

Era assim que as imagens da viagem - o horroroso velho janta com seus disparates sobre a amada, o gondoleiro clandestino, logrado em seu pagamento - ainda agora perturbavam o ânimo do viajante. Sem construir um desafio à razão, sem fornecer, na verdade, material para reflexão, eram no entanto, ao que lhe parecia, profundamente estranhas, por sua própria natureza, e era justamente essa contradição que as tornava inquietantes. Ao mesmo tempo, ele saudava o mar com os olhos e se alegrava em saber Veneza tão próxima, tão acessível..


(fragmento. MORTE EM VENEZA/Thomas Mann. Tradução: Eloísa Ferreira Araújo Silva.)

Poesia -

A vida fora da autografia.
A vida fora da biografia.
A vida fora da caligrafia.
A vida fora da discografia.
A vida fora da etnografia.
A vida fora da fotografia.
A vida fora da geografia.
A vida fora da holografia.
A vida fora da iconografia.
A vida fora da logografia.
A vida fora da monografia.
A vida fora da nomografia.
A vida fora da ortografia.
A vida fora da pornografia.
A vida fora da quirografia.
A vida fora da radiografia.
A vida fora da serigrafia.
A vida fora da telegrafia.
A vida fora da urografia.
A vida fora da videografia.
A vida fora da xilografia.
A vida fora da zoografia.
- A vida inde.

[Arnaldo Antunes - Tudos]

Lírios Mortos

Bendigo os lírios d’alma, amortecidos lírios,
Que tombam sem olor em anciãs dos martírios!
Lírios! Que por camena erguidos da miséria,
Ao cálamo oferece esta camena etérea,
Esta carme de dor! Lírios negros... horríveis...
As divicias do amor! Lírios tão marcescíveis,
Que aliciam o pó e se entregam ao nada.
Lírios negros - a fome, a dor imaculada,Imaculada dor.

O’ lírios fenecidos
Em sentimentos mil, em acroamas nascidos,
Que fazem soar pelas dores liriais...
No lodo impuro - a vida,
entreabrem-se lírios:
- Dores, misérias vis...
almas entre delírios...

Os lírios sem olor que sucumbem com a sorte,
E sucumbem sorrindo...
os lírios:
atroz esquecimento,
Oculta atra miséria e na miséria expira...
Porém, meu sentimento, a minha doce lira,
Tange.
Minha alma, chora:
a lira,
tange e chora...
Minha alma triste...
Sente horrores e se penhora.
Na miséria e na dor
que sinto no meu peito:
Na miséria e na dor
de que este mundo é feito!

Lírios d’alma Senhor, são negros, espinhosos,
Que na miséria são, espinhos dolorosos,
Ferindo a humanidade, envenenando a vida”
Que inspira compaixão!
Lírios, espinhos são:
Sacros, sentimentais,
de divinal unção!
Prantos de desespero, herpes só de infortúnios....
Prantos, consolo da alma, herpes de plenilúnios!

Ó! Quando cai um pranto,
um doce lírio tomba;
Quando um gemido esvai,
um doce lírio zombaEmurchecido na haste e emurchecido... morre;A seiva se desprende....
e chora...
e pranto escorre!

Ó lírios de minha alma, ó lírios divinais!
Lírios negros - misérias, atroz, sentimentais!
Lírios de minha vida - um mar de sentimentos,
Um mar de dores feito, um mar cheio de portos,
Benditos
lírios
da alma,
ó negros
lírios
mortos!



[Lírios Mortos, Silvino da C. Silva. São Pailo, 1932 - pagina 86]